segunda-feira, 17 de março de 2014

Loucos?

ARTIGO: OS LOUCOS QUE JAMAIS FORAM LOUCOS
     São sete horas e boa parte dos internos ainda habita o mundo dos sonhos a maioria com a ajuda de uns comprimidinhos para 'relaxar'. Da janela do meu quarto vejo o dia começar.
Movimento de automóveis, escritórios, consultórios abrindo suas portas. E eu aqui, na cama do 204. De fato isso não me frustra muito. Na verdade é até bem interessante. Tenho 11 colegas internos. Cada um com suas angústias, medos e traumas. Uns querem se livrar do vício que os consome, outro só querem de volta a paz, a tranquilidade de poder voltar para casa com a certeza de que os fantasmas que carregavam os deixaram de vez. Boa parte, acredito, só precisa de boas doses de amor verdadeiro. Desse que anda cada vez mais escasso.

     Fico pensando o que eu, apenas mais uma, faço aqui. Já é a primeira vez que venho para cá. Mas é a primeira que me permito misturar-me aos demais, a vivenciar os dramas dos outros e sair um puco do meu mundo. Cada um tem uma história diferente. São pais de família, mães e jovens. Todos nós,  de alguma maneira e em algum determinado ponto do caminho, nos perdemos. Nos perdemos de nós mesmos e esse, talvez seja, o caminho mais difícil a ser reencontrado. O caminho pra voltar para nosso interior não é fácil, não tem mapas, não tem placas. É quase que intuitivo e precisa de ajuda de toda equipe. Mas penso também, que mais importante do que encontrar o caminho, é ter noção de onde e do que nos fez perder o rumo. Asim fica mais fácil não cair de novo e manter o foco.

     Como não conheço a fundo a história de cada um, só posso falar da minha experiência. Ando com o meu humor igual a uma montanha-russa, sobe e desce. Cada subida a euforia de saber que tem quem goste de mim, alguém que tem consideração por mim. Cada descida o desânimo do esforço feito pelo outro sendo desprezado, como se tudo fosse mera obrigação.
     Assim como o sobe e desce da montanha-russa, enjoa, causa náuseas, assim cá estou.
Nauseada com a vida. Sem ânimo para sair daqui. Descobri que aqui a vida é até mais interessante. Que há mais pessoas preocupadas comigo do que lá fora. Aqui ninguém julga ninguém. Ninguém aponta o dedo, os problemas são parecidos, uns apoiam os outros e tudo fica bem. Tem sorriso triste, sorriso feliz e sorriso tímido. As vezes bate a tristeza em alguém e logo outro colega surge para ajudar a levantar o astral. Acho que todo mundo deveria ficar uns dias por aqui. Tem tanta gente bacana. Tanta história que renderia um livro.....

      Fico pensando no que nossas famílias estão pensando enquanto estamos aqui. Uns, aposto, dizem que queremos apenas chamar a atenção. Outros, que este deve ser o lugar ideal e que o seu paciente jamais deveria sair. Mas tem tanta gente lá fora que atrapalha a nossa recuperação.... Sem querer culpar a ninguém, mas acho que seria interessante que os externos fizessem uma análise para ver se, de alguma, forma não contribuíram para que estivéssemos aqui, nestas condições. Ninguém sabe as mágoas que cada um de nós traz enraizadas dentro de si e como isso nos tortura. Eu sei que vai ter quem diga: "Eu também tenho mágoas e não é por isso que preciso parar aí." Ok. Que bom para você, que consegue elaborar isso tudo sem entrar em parafuso. Bem...nós não conseguimos fazer isso sozinhos. Uns buscaram os vícios, outros entraram em depressão e não sentem a menor vontade de viver. Hoje sofremos por estarmos mal, por estarmos longe das nossas famílias(o que para alguns é até bom) e ainda temos que tolerar o preconceito. Sim, ele ainda existe. Estar na ala psiquiátrica de um hospital significa, para agrande maioria(de fora), estar louco. Nós que estamos aqui dentro perdemos esse pré-conceito nos primeiros momentos. Louco mesmo é aquele que não respeita e não entende o sofrimento do outro que está no hospital justamente para ser ajudado e se ajudar. Quem é o louco mesmo, quem procura ajuda ou quem insiste em condenar? Pensemos nisso. Porque um dia qualquer um pode precisar de ajuda e nada melhor do que obtê-la sem qualquer preconceito.

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